Notícia
Michele Fernandes Gonçalves
- Publicado em
07-04-2025
11:00
Pesquisa detecta agrotóxicos nas chuvas do estado de SP

Uma pesquisa que acaba de divulgar seus principais resultados revelou que a água da chuva nas cidades paulistas de Brotas e Campinas e na capital do Estado, São Paulo, está contaminada com agrotóxicos. O estudo, publicado na revista científica Chemosphere, alerta para os riscos ambientais e à saúde humana. Coordenado por Cassiana Montagner, professora e pesquisadora no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estudo analisou a fração de agrotóxicos dissolvidos na água da chuva coletada durante 36 meses - entre 2019 e 2021 -, com a participação de Mariana Dias, Vinicius Santos, Beatriz Vizioli e Beatriz Ferreira, todos integrantes do Laboratório de Química Ambiental (LQA) da Unicamp, liderado por Montagner.
Quando aplicados nas lavouras, parte dos agrotóxicos se dissipa na atmosfera. Fatores como vento, temperatura e umidade influenciam sua distribuição e, em condições específicas, as substâncias se condensam nas gotas de chuva e, assim, podem retornar ao solo, bem como aos corpos d?água, em áreas distantes das plantações. Por isso, além de calcular as concentrações dos agrotóxicos, o grupo também estabeleceu correlações com dados climáticos - como o volume da precipitação e direção e velocidade dos ventos -, na tentativa de compreender as dinâmicas e rotas aéreas dessas substâncias e o papel da quantidade de chuvas no seu retorno à terra firme.
Nas amostras coletadas, foram detectados 14 agrotóxicos e cinco compostos derivados, com destaque para o herbicida atrazina, presente em 100% das amostras, e o fungicida carbendazin, proibido no Brasil, mas ainda encontrado em 88% das amostras. Outros produtos também apareceram em concentrações alarmantes, e o herbicida tebuthiuron foi detectado pela primeira vez em água de chuva, em 75% das amostras.
Apesar das concentrações não ultrapassarem os limites permitidos para a água potável no Brasil, parte das substâncias detectadas não têm padrões de segurança estabelecidos, ou seja, não há indicadores de concentração segura. Além disso, a exposição crônica a baixas doses pode causar danos à saúde humana e à vida aquática.
Caminhos para dimensionar o problema
No estudo, o herbicida 2,4-D foi o com maior concentração na água de Brotas. A substância tem gerado preocupação entre os pesquisadores e, também, nas agências de regulação, devido à alta capacidade de transporte pelo ar e aos efeitos deletérios já comprovados para a fertilidade humana, fato que fez sua aplicação aérea ser proibida pela Anvisa em 2023. A aplicação por aerossol, no entanto, ainda é permitida. O 2,4-D foi foco de outra pesquisa coordenada por Cassiana Montagner e feita em parceria com o professor da Escola de Engenharia da USP de São Carlos Evaldo Luiz Gaeta Espindola, que indicou potencial tóxico para o ambiente mesmo com aplicação dentro dos parâmetros permitidos pela Anvisa.
A pesquisa com o 2,4-D também mediu os efeitos de outro agrotóxico que traz apreensão, o fipronil, conhecido por ser potencialmente tóxico para as abelhas e cuja meia vida em ambientes aquáticos é longa, podendo chegar a 220 dias. O inseticida já foi banido na União Europeia, mas continua registrado para uso no Brasil e nos Estados Unidos. No estudo com a água da chuva em Brotas, Campinas e São Paulo, o fipronil também apareceu como possível vilão. Ele foi detectado em pelo menos 67% das amostras analisadas, e seus níveis foram considerados de risco para a vida aquática nas três cidades analisadas.
O estudo sobre toxicidade e risco ambiental realizado pelos grupos coordenados por Montagner e Espindola empregou a metodologia dos chamados "mesocosmos", que "imitam" ambientes naturais como lagos e pequenas lagoas. Eles são compostos por estruturas fechadas (como caixas d´água, por exemplo), que são enterradas no solo e preenchidas com água e sedimento. Essas estruturas são deixadas por vários meses em ambientes semiabertos para serem colonizadas por flora e fauna locais. Após um ecossistema simples ter se formado, os pesquisadores habitam as estruturas com animais e plantas cuja resistência aos agrotóxicos querem testar, e as contaminam com as substâncias a serem analisadas.
A mesma metodologia agora está sendo empregada em um outro grande projeto de pesquisa, ao qual se integra Walter Ruggeri Waldman, docente no Departamento de Física, Química e Matemática (DFQM-So) do Campus Sorocaba da UFSCar, onde lidera o Grupo de Pesquisa em Poluição Plástica (GPPP). Intitulada "Destino e impactos de microplásticos e pesticidas em matrizes aquáticas e terrestres em contextos agrícolas", a iniciativa também é coordenada por Montagner, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na modalidade de projeto temático.
No Temático, o objetivo é testar o grau de toxicidade e a degradação dos agrotóxicos quando associados a microplásticos. A associação entre microplásticos e agrotóxicos é comum na agricultura tradicional, em que os plásticos utilizados para cobrir algumas lavouras vão se degradando em pedaços cada vez menores e se depositando no solo. Os microplásticos, então, podem se tornar veículos de transporte dos agrotóxicos, carregando-os para regiões mais distantes do que eles poderiam ir sozinhos e aumentando sua persistência no ambiente.
Consequências e recomendações
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, utilizando 70% a mais que o segundo colocado, os Estados Unidos. As lavouras de soja, cana-de-açúcar, milho e algodão são as que mais recebem esses produtos, sendo regadas com aproximadamente 83% do total comercializado no País. Vários deles já são banidos na União Europeia, que possui leis mais rígidas e baseadas em evidências científicas, mas seguem em uso no Brasil.
Nesse cenário, a preocupação com os resultados obtidos nos estudos coordenados por Cassiana Montagner tem vários motivos, dentre eles o aumento do consumo de água da chuva pelas populações humanas devido à restrição hídrica cada vez mais frequente. A ausência de regulamentação para muitos dos agrotóxicos encontrados nas amostras coletadas em Brotas, Campinas e São Paulo indica que o risco desse consumo pode estar subestimado. O que os pesquisadores sugerem é justamente que estratégias de monitoramento e tratamento sejam implementadas, com base no conhecimento científico que vai sendo construído.
Quando aplicados nas lavouras, parte dos agrotóxicos se dissipa na atmosfera. Fatores como vento, temperatura e umidade influenciam sua distribuição e, em condições específicas, as substâncias se condensam nas gotas de chuva e, assim, podem retornar ao solo, bem como aos corpos d?água, em áreas distantes das plantações. Por isso, além de calcular as concentrações dos agrotóxicos, o grupo também estabeleceu correlações com dados climáticos - como o volume da precipitação e direção e velocidade dos ventos -, na tentativa de compreender as dinâmicas e rotas aéreas dessas substâncias e o papel da quantidade de chuvas no seu retorno à terra firme.
Nas amostras coletadas, foram detectados 14 agrotóxicos e cinco compostos derivados, com destaque para o herbicida atrazina, presente em 100% das amostras, e o fungicida carbendazin, proibido no Brasil, mas ainda encontrado em 88% das amostras. Outros produtos também apareceram em concentrações alarmantes, e o herbicida tebuthiuron foi detectado pela primeira vez em água de chuva, em 75% das amostras.
Apesar das concentrações não ultrapassarem os limites permitidos para a água potável no Brasil, parte das substâncias detectadas não têm padrões de segurança estabelecidos, ou seja, não há indicadores de concentração segura. Além disso, a exposição crônica a baixas doses pode causar danos à saúde humana e à vida aquática.
Caminhos para dimensionar o problema
No estudo, o herbicida 2,4-D foi o com maior concentração na água de Brotas. A substância tem gerado preocupação entre os pesquisadores e, também, nas agências de regulação, devido à alta capacidade de transporte pelo ar e aos efeitos deletérios já comprovados para a fertilidade humana, fato que fez sua aplicação aérea ser proibida pela Anvisa em 2023. A aplicação por aerossol, no entanto, ainda é permitida. O 2,4-D foi foco de outra pesquisa coordenada por Cassiana Montagner e feita em parceria com o professor da Escola de Engenharia da USP de São Carlos Evaldo Luiz Gaeta Espindola, que indicou potencial tóxico para o ambiente mesmo com aplicação dentro dos parâmetros permitidos pela Anvisa.
A pesquisa com o 2,4-D também mediu os efeitos de outro agrotóxico que traz apreensão, o fipronil, conhecido por ser potencialmente tóxico para as abelhas e cuja meia vida em ambientes aquáticos é longa, podendo chegar a 220 dias. O inseticida já foi banido na União Europeia, mas continua registrado para uso no Brasil e nos Estados Unidos. No estudo com a água da chuva em Brotas, Campinas e São Paulo, o fipronil também apareceu como possível vilão. Ele foi detectado em pelo menos 67% das amostras analisadas, e seus níveis foram considerados de risco para a vida aquática nas três cidades analisadas.
O estudo sobre toxicidade e risco ambiental realizado pelos grupos coordenados por Montagner e Espindola empregou a metodologia dos chamados "mesocosmos", que "imitam" ambientes naturais como lagos e pequenas lagoas. Eles são compostos por estruturas fechadas (como caixas d´água, por exemplo), que são enterradas no solo e preenchidas com água e sedimento. Essas estruturas são deixadas por vários meses em ambientes semiabertos para serem colonizadas por flora e fauna locais. Após um ecossistema simples ter se formado, os pesquisadores habitam as estruturas com animais e plantas cuja resistência aos agrotóxicos querem testar, e as contaminam com as substâncias a serem analisadas.
A mesma metodologia agora está sendo empregada em um outro grande projeto de pesquisa, ao qual se integra Walter Ruggeri Waldman, docente no Departamento de Física, Química e Matemática (DFQM-So) do Campus Sorocaba da UFSCar, onde lidera o Grupo de Pesquisa em Poluição Plástica (GPPP). Intitulada "Destino e impactos de microplásticos e pesticidas em matrizes aquáticas e terrestres em contextos agrícolas", a iniciativa também é coordenada por Montagner, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na modalidade de projeto temático.
No Temático, o objetivo é testar o grau de toxicidade e a degradação dos agrotóxicos quando associados a microplásticos. A associação entre microplásticos e agrotóxicos é comum na agricultura tradicional, em que os plásticos utilizados para cobrir algumas lavouras vão se degradando em pedaços cada vez menores e se depositando no solo. Os microplásticos, então, podem se tornar veículos de transporte dos agrotóxicos, carregando-os para regiões mais distantes do que eles poderiam ir sozinhos e aumentando sua persistência no ambiente.
Consequências e recomendações
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, utilizando 70% a mais que o segundo colocado, os Estados Unidos. As lavouras de soja, cana-de-açúcar, milho e algodão são as que mais recebem esses produtos, sendo regadas com aproximadamente 83% do total comercializado no País. Vários deles já são banidos na União Europeia, que possui leis mais rígidas e baseadas em evidências científicas, mas seguem em uso no Brasil.
Nesse cenário, a preocupação com os resultados obtidos nos estudos coordenados por Cassiana Montagner tem vários motivos, dentre eles o aumento do consumo de água da chuva pelas populações humanas devido à restrição hídrica cada vez mais frequente. A ausência de regulamentação para muitos dos agrotóxicos encontrados nas amostras coletadas em Brotas, Campinas e São Paulo indica que o risco desse consumo pode estar subestimado. O que os pesquisadores sugerem é justamente que estratégias de monitoramento e tratamento sejam implementadas, com base no conhecimento científico que vai sendo construído.