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Adriana Arruda - Publicado em 07-02-2023 06:00
Dificuldades na assistência e desnutrição afetam territórios indígenas
Problemas enfrentados pelos povos indígenas ocorrem há muito tempo (Imagem: Daiany B. Zago)
Problemas enfrentados pelos povos indígenas ocorrem há muito tempo (Imagem: Daiany B. Zago)

Hoje, dia 7 de fevereiro, é celebrado o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. Embora a data tenha sido estabelecida há 15 anos, em 2008, pela Lei nº 11.696, o Brasil enfrenta situações de dificuldades na assistência e desnutrição desta população em pleno 2023 - e não só na terra indígena Yanomami.

Mônica da Silva Nunes, docente no Departamento de Medicina (DMed) da UFSCar, conta que os problemas enfrentados pelos povos indígenas afetam os territórios há muito tempo. Ela atuou como médica extensionista em áreas indígenas, rurais e ribeirinhas na Amazônia brasileira.

"Meu primeiro contato com a Amazônia foi em 2003, no escopo da minha pesquisa de doutorado, vencedora no Prêmio Capes de Tese. Analisei como ações antrópicas nas florestas geraram proliferação de mosquitos e, por sua vez, crescimento dos casos de malária. A partir de então, passei a estudar como as mudanças ambientais podem impactar na saúde e no bem-estar das populações", situa a pesquisadora.

Em 2009, começaram suas vivências diretamente com a população indígena no Acre e Amazonas. Além de prestar atendimento médico, ela participou de estudos relacionados à nutrição de pessoas de várias etnias, com medidas de peso, altura e testes rápidos de anemia. Já naquele contexto, da Silva Nunes detectou precariedade na assistência em Saúde para essas comunidades, além de desnutrição, principalmente de mulheres e crianças.

"As aldeias estão situadas ao longo dos rios, e cada uma tem a sua particularidade. Muitas são de difícil acesso; é preciso se locomover de barco e o percurso pode durar mais de dois dias. Eram cinco dias viajando para um dia de atendimento, por isso existia, naquela época, uma dificuldade de encontrar profissionais médicos no serviço de assistência indígena", relata.

Além das limitações de deslocamento, ela também relembra uma situação que se escancarou aos seus olhos durante uma pesquisa de campo.

"Em contato com uma família indígena, estávamos nos transportando de barco e havia duas crianças bem quietas - não interagiam e nem brincavam. Imaginei que fosse um comportamento natural, talvez devido à língua, pois não falavam Português. Após o almoço, preparado ali mesmo e que foi compartilhado pela equipe com os indígenas, a mudança de atitude foi nítida: elas passaram a brincar, sorrir e se comunicar. Era fome", relata, emocionada, a pesquisadora.

Em suas análises ao longo dos últimos 14 anos, ela detecta uma relação direta entre a destruição das florestas e a fome. "A realidade dos povos indígenas brasileiros é muito distinta de outras sociedades. Em várias aldeias da Amazônia, eles vivem da caça e da pesca, e é preciso respeitar a sua cultura. Nas regiões de matas preservadas, víamos indígenas bem nutridos e com abundância de alimentos. Em áreas tomadas por mudanças ambientais, sem qualquer responsabilidade, a realidade é outra. Os rios, ao terem contato com o mercúrio do garimpo, se contaminam, causando diminuição e morte de peixes. As florestas, ao serem tomadas por áreas de pastagem, têm perda da biodiversidade e diminuição de alimentos, antes encontrados abundantemente", exemplifica.

"O antagonismo entre modos de vida de grupos sociais distintos, junto à complexidade da situação política e socioambiental do País, gerou o cenário atual dessa população."

Papel dos cientistas e das universidades
Para da Silva Nunes, uma mudança de cenário é complexa e envolve diversos atores da sociedade. "Cada etnia, em cada região geográfica, tem a sua especificidade e que requer intervenções diferenciadas, ao invés de uma solução única."

No que tange às universidades, é importante uma atuação proativa em questões humanitárias, que envolvem Educação, Saúde e Ambiente.

Ações como o Vestibular Indígena da UFSCar, unificado em 2023 com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), são um exemplo de inclusão. Na UFSCar, há hoje mais de 400 estudantes de 51 diferentes povos indígenas matriculados nos cursos de graduação. Frequentemente, as pró-reitorias de Graduação (ProGrad) e de Assuntos Comunitários e Estudantis (ProACE) e a Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE), em parceria com o Centro de Culturas Indígenas (CCI), realizam atividades de acolhimento a esses estudantes. Aliadas ao ensino, ações de pesquisa e extensão também são essenciais.

A docente segue com estudos na área, com estudante de graduação indígena recém-contemplado com bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (Pibic). O projeto analisará justamente a desnutrição dos povos indígenas. Está previsto, para este ano de 2023, também projeto de extensão com o intuito de trazer, para diálogo, questões dos povos indígenas.

Ela também dá continuidade aos estudos sobre a relação entre ambiente e doenças na Amazônia. Em 2 de fevereiro, cientistas do Centro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do qual da Silva Nunes faz parte, divulgou a criação da base de dados Trajetórias. Ela reúne indicadores ambientais, socioeconômicos e epidemiológicos referentes ao período de 2000 e 2017 para todos os 772 municípios de nove estados da região amazonense, conforme publicado em artigo na Nature Scientific Data.

"Nós, cientistas, temos como papel trazer o conhecimento às pessoas e ampliar as suas visões, além de produzir dados e análises que possam auxiliar na formulação de políticas públicas. Só assim será possível encontrar um equilíbrio entre grupos sociais tão antagônicos, para que esses grupos possam coexistir sem conflitos", finaliza a professora.