Pesquisa mostra como abolição não levou à liberdade plena dos negros
O pesquisador Rogério da Palma foi citado em uma reportagem publicada no The New York Times, por conta de sua tese de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da UFSCar. Em seu estudo, Palma discutiu como o fim da escravatura no Brasil, em 1888, não levou necessariamente a um processo de liberdade plena dos negros. Na matéria do NYT, publicada no último dia 5 de dezembro, o foco foi a origem do sobrenome Silva, que recai sobre esse passado "sinistro" do Brasil, nas palavras do jornal.
Em sua tese, desenvolvida no período entre 2010 e 2014 junto ao PPGS/UFSCar, Palma argumenta que "não há como pensar a construção e a contestação da liberdade negra, no pós-abolição, sem levar em conta a remodelação das assimetrias raciais após o fim da escravidão. Somente é possível entender o processo de construção da (sub)cidadania negra constatando que ele se estabelece por meio de uma disputa - desigual, tensa e difusa -, na qual há, por um lado, a tentativa de manutenção das hierarquias raciais como elemento estruturante da sociedade - o racismo - e, por outro lado, as lutas por afirmação da liberdade negra", detalha.
Ao tentar demonstrar como um processo de ruptura macro institucional - o fim da escravidão e o consequente processo de construção da cidadania negra - teve impacto nas relações interpessoais, Palma defende que, "através dessas relações, fazendeiros brancos, por exemplo, conseguiram restabelecer formas de dependência e controle, mantendo a desigualdade como princípio orientador das interações com negros e negras. Afinal, a intimidade, longe de mitigar a sujeição, pode, ao contrário, reconstruí-la em outros níveis".
A tese de doutorado, defendida em 2014, é intitulada "Liberdade sob tensão: negros e relações interpessoais na São Carlos pós-abolição". O estudo teve orientação do professor Oswaldo Mário Serra Truzzi, da UFSCar, e contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Posteriormente, em 2021, a tese foi publicada em formato de livro, pela Editora Alameda, com o título "Racismo e Liberdade. Relações inter-raciais e a construção da (sub)cidadania negra", disponível em formato físico no site da Editora Alameda e outras livrarias físicas e virtuais. No caso específico da matéria publicada no NYT, foi abordado um dos capítulos da tese/livro, publicado na Revista DADOS, em 2018, com o título de "Renomear para Recomeçar: Lógicas Onomásticas no Pós-abolição".
Reportagem no NYT
A matéria do The New York Times - "What do 5 million brazilians have in common? A name with a grim past" ("O que 5 milhões de brasileiros tem em comum? Um nome com um passado sinistro") - está disponível neste link.
Palma conta que a repórter Ana Ionova entrou em contato após realizar uma pesquisa para escrever uma matéria sobre os sobrenomes mais comuns no Brasil e se deparou com o artigo de Palma na DADOS sobre a "economia onomástica" do pós-abolição, considerando onomástica o estudo de nomes próprios.
"A reportagem trata da história por trás da popularização do sobrenome Silva, o mais comum entre os brasileiros. Mencionando populares e pessoas conhecidas, como esportistas e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a matéria tentar entender a popularidade desse sobrenome através do passado colonial e escravocrata do Brasil. Na minha fala, afirmo que muitos ?Silvas? herdaram ou escolheram esse sobrenome, no pós-abolição, por pertencerem, enquanto escravos, a famílias com esse sobrenome. Seria uma forma de afirmar antigos laços sociais como uma estratégia de sobrevivência nesse novo contexto, mesmo que isso significasse, ao mesmo tempo, a manutenção de certas hierarquias sociais", sintetiza o pesquisador.
No caso específico do capítulo abordado na reportagem do NYT, "busco investigar como, no pós-abolição, o reconhecimento da nova condição social de livre era, para ex-escravos e seus descendentes, pautada na criação de novas identificações. Entre essas últimas, a manipulação do antigo nome era essencial para a reafirmação da liberdade. Orientadas principalmente pelo desejo de formalização das suas relações afetivas, incluindo-se aí estratégias de se formalizar relações que lhes fossem úteis, essas renomeações são um registro ímpar de como os ex-cativos avaliaram, durante o pós-emancipação, as alianças familiares que firmaram ainda no cativeiro, bem como a afirmação de suas identidades", argumenta o sociólogo. Com a pesquisa, ele analisou "a heterogeneidade de laços sociais constituídos pelos libertos, demonstrando como a ?economia onomástica?, para além de uma questão de identificação individual, era, no pós-abolição, um elemento chave dentro das lutas simbólicas para a demarcação do lugar social da população negra".
Sobre o pesquisador
Rogério da Palma graduou-se em Ciências Sociais em 2007 pela UFSCar e cursou mestrado (2010) e doutorado (2014) em Sociologia pela mesma Instituição. Por meio de uma bolsa de doutorado sanduíche ofertada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foi Visiting Scholar na University of Michigan, nos Estados Unidos, durante o ano de 2013. Realizou um estágio pós-doutoral junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, entre 2023 e 2024.
Atualmente é Professor Associado da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), lecionando e orientando pesquisas nos cursos de Ciências Sociais (presencial e a distância) e nos mestrados do ProfHistória e do ProfSocio. É também membro dos grupos de pesquisa "Núcleo de pesquisa em democracia, políticas públicas e desenvolvimento" e "Estudos da memória, patrimônio cultural, ambiental e ensino de história", ambos da UEMS, e "História Social das Migrações e do Trabalho", da UFSCar. Atua na área da sociologia histórica, especialmente com temas como relações étnico-raciais, racismo, migrações, pós-abolição, mercados de trabalho; raça e educação; raça e música.
Mais informações sobre o estudo podem ser solicitadas pelo pesquisador Rogério da Palma pelo e-mail rpalma@uems.br.