Diversidade propicia estabilidade de teias alimentares na Mata Atlântica

São Carlos
Pesquisa da UFSCar analisou teias alimentares em cinco riachos do bioma e alerta para impactos da perda de biodiversidade

A complexidade e a diversidade das teias alimentares em riachos da Mata Atlântica garantem a sua estabilidade e, assim, resiliência do sistema, registra artigo publicado recentemente no periódico Journal of Animal Ecology, da British Ecological Society, uma das revistas científicas mais antigas da área.  A pesquisa, liderada por Victor Satoru Saito, professor no Departamento de Ciências Ambientais (DCAm) da UFSCar, é realizada em parceria com Daniel Perkins, da Universidade de Roehampton, e Pavel Kratina, da Universidade Queen Mary de Londres, ambas no Reino Unido. Também assina o artigo Hugo Sarmento, docente no Departamento de Hidrobiologia da UFSCar, e entre os demais autores estão graduando no curso de Gestão e Análise Ambiental e egresso do curso de graduação em Ciências Biológicas e do mestrado em Conservação da Fauna, ambos também da Universidade, dentre outros parceiros no Brasil e no Reino Unido.

Em 2019, Saito e os colegas coletaram amostras de peixes, invertebrados e material basal (elementos que servem de energia para o restante da cadeia, mas não tiram energia de nenhuma população, como as folhas) em cinco riachos em Cananéia, no litoral sul de São Paulo. Analisando o conteúdo estomacal dos animais e a presença de isótopos estáveis de nitrogênio - que vai se alterando conforme o nível do organismo na cadeia trófica -, foi possível determinar estatisticamente as teias alimentares mais prováveis para o sistema. Por fim, utilizando modelos teóricos de metabolismo, a equipe verificou se havia energia suficiente para sustentar todas as populações encontradas.

Os pesquisadores constataram que, nas populações de peixes, os predadores têm indivíduos grandes que buscam se alimentar de animais em posições mais altas na teia alimentar, enquanto os invertebrados são mais versáteis e não demonstram preferências claras em relação ao tamanho das presas. Constataram também uma grande complexidade nas teias alimentares, com organismos muito diversos e estratégias de sobrevivência bastante distintas, como camarões que têm parte do seu ciclo de vida no mar, larvas que se tornam mosquitos e peixes que forrageiam em diferentes trechos de riachos. Essa complexidade, junto com a tendência de populações de climas quentes serem muito variadas e estocásticas (com características aleatórias, não relacionadas a adaptações evolutivas), propicia que a teia alimentar tenha interações fracas - ou seja, em que uma espécie não tem grande dependência de outra - e, dessa forma, não seja significativamente afetada pela diminuição ou extinção da população de uma espécie.

Essa estabilidade foi corroborada por cálculos estatísticos realizados pelos pesquisadores, que constataram que a soma das cinco teias alimentares analisadas (chamada de metateia alimentar) era dinamicamente estável em relação à quantidade de energia disponível para os predadores - ou seja, que no total havia presas suficientes disponíveis para os predadores mesmo quando havia alteração em uma das teias - e que nenhuma interação entre populações era importante o bastante para que a extinção de uma espécie levasse a outras extinções e ao colapso da teia. Os pesquisadores também descobriram que espécies mais generalistas, que se alimentam tanto de animais como de recursos basais, são as que mais contribuem para a estabilidade das teias.

Os autores ponderam que, em pesquisas futuras, será necessário investigar fatores como a latitude dos ambientes, o que possibilitaria fazer um paralelo com as mudanças climáticas. "Comparar as redes tróficas ao longo de várias temperaturas nos traz informações de como os sistemas podem responder ao aumento ou diminuição das temperaturas globais. Isso nos ajudaria a propor manejos para esses ecossistemas a fim de se evitar perda de biodiversidade e de funções ecossistêmicas, como a pesca ou [o acesso a] a água de qualidade", explica Saito. Outra limitação da pesquisa apontada no artigo é não considerar mecanismos conhecidos relacionados a extinções secundárias, como mudanças no comportamento de predadores, o que poderia afetar os resultados. No artigo, os pesquisadores chamam a atenção para a necessidade de se entender como a perda sistemática de diversidade afeta a estabilidade das teias alimentares nos riachos e como isso pode impactar o uso sustentável de recursos relacionados a eles.

 
05/12/2024
10:00:00
10/12/2025
23:59:00
Tiago Marconi (ICC - UFSCar)
Sim
Não
Estudante
Pesquisadores durante coleta em Cananéia (Acervo pessoal).
16308